Ao voltar para os Estados Unidos após décadas de ausência, nunca imaginei que nós, como nação, estaríamos onde estamos hoje.
Estamos sendo governados por um egomaníaco narcisista, com todos os membros de seu gabinete disputando para ver quem consegue enfiar mais a língua no traseiro de Donald Trump, numa corrida para agradar seu “querido líder”.
Está mais do que claro agora que o governo Trump assumiu o poder em janeiro com uma agenda para desmontar as políticas de imigração e bem-estar social, além de punir vozes pró-Palestina. E eles agiram com velocidade impressionante, usando medidas presidenciais raramente utilizadas para contornar completamente o Congresso na implementação de sua agenda anti-imigrante.
Um grupo de assessores da extrema-direita elaborou essas políticas, como a desestruturação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID),criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy e financiada pelo Congresso. Comos republicanos controlando ambas as casas do Congresso, mal se ouviu um pio quando isso aconteceu.
Trump nomeou o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, para chefiar seu Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), com a missão de cortar gastos supostamente excessivos e demitir funcionários públicos ineficientes. Musk e seus capangas nerds invadiram Washington e assumiram os sistemas de informática de departamentos inteiros, em um verdadeiro golpe. Um golpe porque todos os departamentos que eles atacaram, cortando verbas e demitindo milhares de funcionários, são financiados pelo Congresso — que foi completamente ignorado. Trump jogou a separação dos poderes pela janela. Claro que, sendo o rei dos conflitos de interesse, Trump não hesitou mesmo sabendo que Musk tem contratos bilionários com o governo dos EUA por meio dos lançamentos de foguetes da SpaceX.
Stephen Miller é o principal conselheiro de Trump, remanescente do primeiro governo Trump, mas agora com muito mais poder. Ele é o arquiteto principal da repressão contra imigrantes ilegais, promovendo uma política especialmente cruel de não apenas prender e deportar criminosos, mas também imigrantes trabalhadores, que respeitam a lei e sustentam suas famílias. Isso levou a cenas de agentes do governo mascarados prendendo imigrantes quando eles compareciam às suas audiências judiciais. Essa política também levou agentes do Departamento de Segurança Interna a correrem atrás de trabalhadores agrícolas em um campo de morangos na Califórnia. Um verdadeiro absurdo.
Miller sentia tanto prazer perverso com as prisões de imigrantes que, segundo relatos, Trump teve que pedir que ele se contivesse.
Trump acabou percebendo que a economia dos EUA entraria em colapso se todos os imigrantes ilegais fossem rapidamente deportados, e por isso ordenou que os agentes federais parassem de prender trabalhadores nos setores agrícola, de restaurantes e da construção civil. Infelizmente, ele oscilou diversas vezes nesse assunto, deixando o público — especialmente os empresários — confusos sobre se esses trabalhadores seriam ou não presos.
E a incerteza é o maior inimigo dos donos de empresas, que não sabem como planejar seus gastos e investimentos futuros. O mercado de ações também odeia incertezas, e isso se refletiu na volatilidade do mercado esse ano.
O anúncio inesperado de Trump de que aumentaria drasticamente as tarifas de importação sobre produtos chineses deixou empresas e varejistas americanos em choque. O presidente é obcecado por forçar outras nações a aceitar “acordos” supostamente favoráveis aos EUA. Mas os tweets constantes de Trump, exigências e declarações bombásticas na televisão deixaram o mundo desorientado e incapaz de contar com os EUA como um parceiro comercial estável e confiável.
Trump acabou reduzindo as tarifas sobre os produtos chineses, mas não antes de colocar todo sem uma montanha-russa de choque e tensão por semanas. Trump achou engraçado e viu isso como prova de sua habilidade como negociador. Tristemente, o público sabe que ele nunca foi um empresário bem-sucedido com suas próprias empresas.
A vitória do candidato socialista democrata Zohran Mamdani nas primárias para prefeito da cidade de Nova York trouxe um raio de esperança e alegria para todos que desejam um mundo melhor. Sua plataforma de habitação acessível e a criação de supermercados e ônibus gratuitos para os desfavorecidos gerou ondas de medo entre a maioria dos republicanos, que continuam promovendo políticas que dão mais benefícios fiscais aos ricos e aumentam os impostos dos pobres e da classe média.
Com o fim da USAID e da Voz da América (VoA), que também foi devastada pelo DOGE, os Estados Unidos estão perdendo dois instrumentos de ‘‘soft power” que tinham ao redor do mundo. Por décadas, audiências na Europa, Ásia, África e América Latina acordava todas as manhãs e se informavam com as transmissões da VoA em inglês e em vários outros idiomas. Republicanos radicais alegaram que a VoA não apresentava uma imagem “boa” dos EUA e usaram isso como justificativa para destruir esse serviço público tão querido. Os britânicos têm a rádio BBC e nós tínhamos a VoA.
A China vem há anos minando o poder americano na África, construindo pontes, edifícios governamentais e ferrovias para vários governos africanos. Naturalmente, seguem o modelo americano, dando a maior parte dos contratos de construção a empresas chinesas,que reinjetam os recursos no mercado chinês. Trump acredita que esse tipo de gasto no exterior é desperdício do dinheiro dos contribuintes — o que é uma grande pena.
Por fim, temos o terrível ataque do governo Trump contra estudantes estrangeiros nos EUA que protestaram contra o genocídio em Gaza em universidades de Columbia até Harvard.
Em cenas que lembram ditaduras comunistas, policiais mascarados e à paisana vêm prendendo esses estudantes nas ruas, jogando-os em veículos sem identificação, sem dizer para onde estão sendo levados ou permitir que liguem para cônjuges ou familiares.
Mahmoud Khalil, um palestino formado pela Universidade de Columbia, se tornou o rosto da repressão anti-palestina de Trump. Ele foi preso no saguão de seu prédio em Nova York, com sua esposa grávida — cidadã americana — filmando toda a cena e implorando aos agentes mascarados que explicassem o motivo da prisão e o destino do marido. Foi uma cena digna da Alemanha nazista em sua crueldade e brutalidade.
Khalil foi levado para um centro de detenção imigratória privado na Louisiana, onde ficou preso por 140 dias. Ele teve que ouvir o nascimento de seu filho por telefone. Um juiz federal finalmente ordenou sua libertação, alegando que ele não poderia ser detido por suas opiniões. A administração Trump anunciou que irá abrir outros processos legais contra Khalil, numa campanha insana, orquestrada por Stephen Miller.
Nós,americanos liberais e progressistas, só podemos esperar que as eleições de meio de mandato do próximo ano devolvam o controle total ou parcial do Congresso aos democratas, que então poderão bloquear e reverter muitas das medidas cruéis, perversas e discriminatórias de Trump. Os Estados Unidos nunca foram pensados para serem governados por um presidente autoritário com um congresso enfraquecido e submisso.
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