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Tucanos, meu pai e a morte

Rasheed Abou-Alsamh
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Rasheed Abou-Alsamh
April 19, 2011
March 16, 2022
Tucanos, meu pai e a morte
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Tucanos, meu pai e a morte

No dia em que meu pai morreu, numa terça-feira, 2 de dezembro de 2008, dois tucanos sentados no galho de nossa planta Poinsétia bateram na janela de nossa cozinha com seus bicos multicolores, enquanto tomávamos café da manhã.

“Eles sempre fazem isso”, minha mãe disse.

Meu amigo Marvin e eu estávamos encantados com a cena, já que essa era a primeira vez em que os víamos.

Gosto de pensar que a aparição deles era um sinal de que meu pai estava morrendo, já que, mais tarde naquela manhã, por volta das 8:20h, recebi um telefonema do hospital onde meu pai encontrava-se em tratamento intensivo, e uma mulher me informou que meu pai havia morrido após piorar consideravelmente durante a noite. “Ele faleceu às 7:20h, sinto muito”, disse a mulher ao telefone. “Você poderia, por favor, trazer um documento de identidade do seu pai que inclua os nomes dos pais dele para que possamos liberar o corpo?”.

Quando chegamos ao hospital, seu corpo já havia sido trazido ao necrotério no andar de baixo. No dia anterior, quando o visitamos, havíamos trazido um colchão de espuma especial, com formato de uma caixa de ovos, que supostamente ajudaria diminuir o número de escaras em sua pele. Infelizmente, não acho que meu pai tenha tido alguma vez a chance de usá-lo.

Ele já havia estado em coma por cerca de uma semana durante sua hospitalização mais recente. Já estava doente há vários meses com falha nos rins e alguns problemas de coração. Seus médicos disseram que ele tinha de começar a se submeter à diálise tão cedo quanto possível. Para isso, eles tinham de colocar um cateter no seu ombro, próximo ao pescoço. Havia uma chance de infecção, já que haveria uma abertura permanente nos seus vasos sanguíneos, por meio da qual o sangue viajaria para fora do seu corpo e retornaria após ser limpo na máquina de diálise. No fim das contas, seria uma infecção causada pelo cateter que o mataria.

Aos 81 anos, ele era velho, mas ainda forte em diversos aspectos. Podia andar sem auxílio e sua memória de longo prazo estava excelente, embora ele se confundisse em ambientes não familiares e me fizesse a mesma pergunta a cada 10 minutos. Primeiramente, minha mãe e eu pensamos que ele pudesse ter o mal de Alzheimer, mas concluímos que o que ele parecia ter era o início de uma demência leve.

Eu havia estado em Brasília em Agosto por três semanas e retornei com urgência no final de Outubro para mais duas semanas, após meu pai piorar e ter de ser hospitalizado novamente. Durante esta visita, passei os dias com ele no Hospital das Forças Armadas, enquanto minha mãe passava as noites.

Cheguei a passar 24 horas com meu pai nas vezes em que minha mãe não agüentava mais outra noite no pequeno sofá de plástico ao lado da cama onde ele estava. Invariavelmente, eu ficava com calor e ligava o ar-condicionado, o que então deixava meu pai com frio.

“Desligue o ar-condicionado”, reclamava meu pai, com o corpo embrulhado nos cobertores. “Estou congelando”.

Eu insistia em deixá-lo ligado durante apenas alguns minutos e, então, me apiedava de sua situação e o desligava.

Algumas vezes, discutíamos quando ele não queria tomar banho ou colocar óleo em sua pele extremamente seca, que ele coçava loucamente até sangrar, um efeito colateral do fato de que seus rins mal funcionavam àquela altura.

Certa vez, fiquei tão nervoso com sua teimosia que disse a ele: “Me dê apenas uma razão para eu não colocar óleo na sua pele”.

Ele olhou para mim com olhos raivosos, incapaz de articular qualquer desculpa. Mas então senti pena, já que sabia que não havia nada que eu pudesse dizer que o faria mudar de ideia.

Não lamento pelas brigas menores que tive com ele. Apenas alguns dias após meu retorno a Abu Dhabi em novembro, ele obteve permissão para deixar o hospital e voltou para casa. Lá, se sentiu muito mais confortável e feliz. Era a última vez em que eu falaria com ele, já que, quando retornei no final de novembro, meu pai já estava em coma e não podia falar.

Na última vez em que o vi no hospital, eles haviam raspado sua linda barba branca, o que o fez parecer mais novo, e uma enfermeira havia aplicado óleo em todo o seu corpo para umidificar sua pele. “Tchau, papai, fique bem, estaremos de volta amanhã”, disse eu enquanto beijava sua testa, com gosto de óleo nos meus lábios.

Infelizmente, ele morreu no dia seguinte. Vi seu corpo uma vez mais quando ajudei a lavá-lo na mesquita antes de seu enterro. Quão irônico, pensei. Quando vivo, ele havia recusado tomar vários banhos na sua idade avançada, mas fazíamos exatamente isso agora que ele estava morto.

*Mohamed Abdul Zaher Abou-Alsamh, nascido em primeiro de julho de 1927, falecido em 2 de dezembro de 2008.

Rasheed Abou-Alsamh
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